Sunday, February 20, 2022
O Principezinho(Portuguese2)
O Principezinho
Antoine de Saint Exupéry
Para Leon Wérth
Peço às crianças que me perdoem por dedicar este livro a uma pessoa crescida. Tenho uma desculpa muito importante. Essa pessoa crescida é o melhor amigo que tenho no mundo. Tenho ainda uma outra desculpa. Essa pessoa crescida é capaz de perceber tudo, até mesmo livros para crianças. E tenho uma terceira desculpa. Essa pessoa crescida mora em França, onde passa fome e frio. Ela bem precisa de ser consolada. Se todas estas desculpas não forem suficientes, desejo então dedicar este livro à criança que esta pessoa crescida foi em tempos. Todas as pessoas crescidas foram já crianças. Apesar de poucas se recordarem desse facto. Por isso, corrijo a minha dedicatória:
Para Léon Werth.
Quando ele era um rapazinho.
1
Uma vez, quando eu tinha seis anos, vi uma imagem magnífica, num livro sobre a Floresta Virgem intitulado «Histórias Vividas». Era uma jiboia a engolir um animal selvagem. Aqui está uma cópia do desenho.
O livro explicava: «As jiboias engolem as suas presas inteiras, sem as mastigar. A seguir não se conseguem mexer, por isso dormem durante os seis meses que demora a fazer a digestão.»
Naquela altura, pensei muito nas aventuras da selva e peguei eu próprio num lápis de cor, com o qual consegui fazer o meu primeiro desenho. O meu desenho número um. Era assim:
Mostrei a minha obra-prima às pessoas crescidas e perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo. Elas responderam-me: «Porque havia um chapéu de meter medo?»
O meu desenho não era de um chapéu. Era de uma jiboia a digerir um elefante. Desenhei então o interior da jiboia, para que as pessoas crescidas conseguissem perceber. As pessoas crescidas precisam sempre de explicações. O meu desenho número dois era assim:
As pessoas crescidas aconselharam-me a pôr de parte os desenhos de jiboias abertas ou fechadas e a dedicar-me mais à geografia, à história, à matemática e à gramática. Foi assim que, aos seis anos, abandonei uma magnífica carreira de pintor. Fui desencorajado pelo insucesso do meus desenho número um e do meu desenho número dois. As pessoas crescidas nunca percebem nada sozinhas e é cansativo para uma criança ter de estar sempre a explicar-lhes tudo.
Vi-me então forçado a escolher uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Voei um pouco por todo o mundo. E é verdade que a geografia me foi muito útil. Conseguia distinguir, à primeira vista, a China do Arizona. Isso é de grande utilidade quando nos perdemos durante a noite.
Por esse motivo tive, ao longo da minha vida, inúmeros contactos com muita gente séria. Vivi muito no mundo das pessoas crescidas. Observei-as bem de perto. Mas isso não melhorou muito a opinião que tinha acerca delas.
Quando conhecia uma pessoa que me parecia um pouco mais lúcida, experimentava mostrar-lhe o meu desenho número um, que guardei sempre comigo. Queria perceber se ela era realmente capaz de perceber alguma coisa. Mas ela respondia-me sempre: «É um chapéu». E por isso eu não lhe falava de jiboias, florestas virgens ou estrelas. Colocava-me ao seu nível. Falava de bridge, de golfe, de política e de gravatas. E aquela pessoa crescida ficava toda contente por conhecer um homem tão sensato.
2
Foi por isso que vivi sempre só, sem ter alguém com quem pudesse realmente falar. Até ao dia em que tive uma avaria em pleno deserto do Sara, há seis anos. Tinha-se partido alguma coisa no meu motor. E, uma vez que não levava comigo nem um mecânico nem passageiros, comecei a preparar-me para tentar fazer aquela reparação difícil sozinho. Era uma questão de vida ou morte. A água que tinha para beber chegava apenas para oito dias.
Na primeira noite adormeci deitado na areia, a mil e tal quilómetros de qualquer lugar habitado. Estava mais isolado do que um náufrago que flutua em cima de uma jangada no meio do Oceano. Podem, portanto, imaginar a minha surpresa quando, ao romper do dia, fui acordado por uma vozinha que me dizia:
- Por favor... desenha-me uma ovelha!
- Como?
- Desenha-me uma ovelha...
Levantei-me de um salto, como se tivesse sido atingido por um raio. Esfreguei os olhos com força. Olhei com atenção. E vi um rapazinho verdadeiramente espantoso, a olhar para mim com um ar muito sério. Aqui está o retrato mais preciso que, mais tarde, consegui fazer dele. Mas a verdade é que o meu desenho não é de modo algum tão encantador como ele era.
A culpa não é minha. As pessoas crescidas desencorajaram-me de seguir a minha carreira de pintor quando eu tinha seis anos e não aprendera a desenhar mais nada a não ser jiboias fechadas e jiboias abertas.
Portanto, contemplei aquela aparição com os olhos esbugalhados pelo espanto. Não se esqueçam que estava a mil e tal quilómetros de qualquer lugar habitado. Contudo, o meu rapazinho não parecia perdido, nem morto de cansaço, de fome, de sede ou de medo. Não aparentava em nada ser uma criança que se encontrava perdida no meio do deserto, a mil e tal quilómetros de qualquer lugar habitado. Quando consegui finalmente falar, perguntei-lhe:
- Mas... o que fazes tu aqui?
E ele repetiu, lentamente, como se se tratasse de um assunto muito sério:
- Por favor... desenha-me uma ovelha...
Quando um mistério é muito grande, não nos atrevemos a desobedecer. Por muito absurdo que aquilo me parecesse, a mil e tal quilómetros de qualquer terra habitada e em perigo de vida, tirei do bolso uma folha de papel e uma esferográfica. Foi então que me lembrei que tinha estudado principalmente geografia, história, matemática e gramática e respondi ao rapazinho, um bocado maldisposto, que não sabia desenhar. Ele retorquiu:
- Não faz mal. Desenha-me uma ovelha.
Uma vez que nunca tinha desenhado uma ovelha, desenhei-lhe um dos dois únicos desenhos que sabia fazer. O da jiboia fechada. E fiquei boquiaberto quando o ouvi dizer:
- Não! Não! Não quero um elefante dentro de uma jiboia. As jiboias são muito perigosas e os elefantes são muito volumosos. O sítio de onde eu venho é muito pequeno. Preciso de uma ovelha. Desenha-me uma ovelha.
E eu desenhei.
Ele examinou o meu desenho com atenção e disse:
- Não. Essa já está muito doente. Faz outra.
E eu fiz.
O meu amigo sorriu meigamente, com indulgência.
- Olha lá... isto não é uma ovelha, é um carneiro. Tem chifres...
Refiz o desenho mais uma vez.
Mas ele foi recusado, tal como os anteriores.
- Essa é velha de mais. Eu quero uma ovelha que viva muito tempo.
E foi então que, prestes a perder a paciência, porque tinha pressa de começar a desmontar o motor, rabisquei este desenho.
E disse-lhe:
- Aqui tens uma caixa. A ovelha que tu queres esta lá dentro.
Quando vi o rosto do meu jovem juiz iluminar-se, fiquei muito admirado.
- Era mesmo isto que eu queria! Achas que esta ovelha precisa de muita erva?
- Porquê?
- Porque o sítio onde vivo é muito pequeno...
- De certeza que é suficiente. A ovelha que te dei é pequenina.
Ele inclinou a cabeça na direção do desenho.
- Assim tão pequena também não... Olha! Adormeceu...
E foi assim que eu conheci o principezinho.
3
Demorei muito tempo a perceber de onde ele vinha. O principezinho, que me fazia muitas perguntas, parecia nunca ouvir as minhas. Eram as palavras que ele ia dizendo ao acaso que me iam revelando tudo. Quando ele viu pela primeira vez o meu avião (não vou desenhar o meu avião porque isso seria demasiado difícil para mim), perguntou-me:
- O que é aquela coisa?
- Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. É o meu avião.
Fiquei orgulhoso por lhe dizer que voava. E foi então que ele exclamou:
- O quê? Tu caíste do céu?
- Sim — respondi eu, com modéstia.
- Ah! Que engraçado!
E o principezinho soltou uma gargalhada graciosa que me irritou imenso. Eu gosto que levem os meus infortúnios a sério. Depois acrescentou:
— Então tu também vieste do céu! De que planeta és?
Tive naquele instante um vislumbre que podia esclarecer o mistério da sua presença e perguntei-lhe bruscamente:
- Então tu vieste de outro planeta?
Mas ele não me respondeu. Acenou a cabeça suavemente na direção do meu avião e disse:
- A verdade é que não podes ter vindo de longe naquilo...
E ele ficou a sonhar acordado durante muito tempo. Depois retirou a minha ovelha do bolso e mergulhou na contemplação do seu tesouro.
Podem imaginar como fiquei intrigado com aquele segredo acerca de «outros planetas». Esforcei-me por descobrir mais.
- De onde vens tu, rapazinho? Onde é «o sítio de onde vens»? Para onde queres levar a minha ovelha?
Ficou a pensar, em silêncio, antes de me responder.
- О que é bom na caixa que me deste é que, à noite, ela será a sua casa.
- É verdade. E, se tu fores educado, também te dou uma corda para a prenderes à noite. E um poste.
Aquela afirmação pareceu chocar o principezinho.
- Prendê-la? Mas que ideia tão estranha!
— Mas se não a prenderes, ela andará por aí e perde-se.
E o meu amigo deu mais uma gargalhada.
- E onde queres tu que ela vá?
- Isso não é importante. Vai andando para a frente.
Nessa altura, o principezinho comentou, com uma expressão séria.
- Não faz mal. Eu venho de um sítio mesmo muito pequenino.
E, talvez num tom um pouco mais melancólico, acrescentou.
- A andar para a frente não se pode ir longe...
4
Aprendi assim uma segunda coisa muito importante: que o seu planeta de origem era pouco maior do que uma casa!
Isso não me surpreendia muito. Eu sabia que, para lá dos planetas grandes, como a Terra, Júpiter, Marte, Vénus, aqueles a que demos nomes, há centenas de outros que são por vezes tão pequenos que mal se conseguem ver ao telescópio. Quando um astrónomo descobre um deles, batiza-o com um número. Chama-lhe, por exemplo, «asteroide 3251».
Tenho bons motivos para pensar que o planeta de onde o principezinho vinha era o asteroide B 612. Esse asteroide foi avistado ao telescópio apenas uma vez, em 1909, por um astrónomo turco.
Nessa altura, ele fez uma grande demonstração da sua descoberta num Congresso Internacional de Astronomia. Mas ninguém acreditou nele, por causa da forma como se vestia. As pessoas crescidas são assim.
Felizmente, para a boa reputação do asteroide B 612, um ditador turco impôs ao seu povo, sob ameaça de pena de morte, que se vestissem como os europeus. O astrónomo repetiu a sua apresentação em 1920, envergando um fato muito elegante. E, desta feita, toda a gente o aceitou.
Se vos revelei todos estes pormenores acerca do asteroide B 612 e se vos confiei o seu número, foi por causa das pessoas crescidas. As pessoas crescidas adoram números. Se lhes falarem de um novo amigo, elas nunca vos perguntam o essencial. Nunca vos dizem: «Como é a sua voz? Quais os seus jogos preferidos? Ele coleciona borboletas? Em vez disso, perguntam: «Quantos anos tem? Quantos irmãos tem? Quanto pesa? Quanto ganha o pai dele?» Só assim pensam conhecer a pessoa. Se vocês disserem às pessoas crescidas: «Vi uma casa bonita, de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...», elas não conseguem imaginá-la. Têm de lhes dizer: «Vi uma casa que vale cem mil francos.» Nessa altura, elas exclamarão: «Que casa tão bonita!»
Por isso, se vocês lhes disserem: «A prova de que o principezinho existiu reside no facto de ele ser encantador, de que se ria e queria uma ovelha. Quando queremos uma ovelha, isso prova que nós existimos», elas encolherão os ombros e tratar-vos-ão como crianças. Mas se vocês lhes disserem: «Ele vem de um planeta que é o asteroide B 612», então elas ficarão convencidas e não vos farão mais perguntas.
Elas são assim. Não vale a pena desejarmos que sejam diferentes. As crianças têm de ser muito indulgentes para com as pessoas crescidas.
Mas é claro que nós, os que compreendemos a vida, desprezamos os números! Adorava ter começado esta história ao jeito dos contos de fadas. Teria adorado dizer:
«Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele que precisava de um amigo...» Para aqueles que compreendem a vida, isso corresponderia muito mais à verdade.
Eu não gostaria que o meu livro fosse lido de ânimo leve. É muito difícil para mim partilhar estas recordações. Já passaram seis anos desde que o meu amigo e a sua ovelha partiram. Se estou a tentar descrevê-lo aqui, é para não me esquecer dele. É triste esquecermos um amigo. Nem toda a gente teve um amigo. E eu podia ficar como as pessoas crescidas que apenas se interessam por números. Também foi por esse motivo que comprei uma caixa de lápis de cor. É difícil voltar a desenhar na minha idade, quando apenas tentámos desenhar uma jiboia fechada e uma jiboia aberta, aos seis anos! É claro que tentarei desenhar retratos o mais parecidos possível. Mas não tenho a certeza se irei conseguir. Às vezes um desenho sai-me bem, mas o outro não fica nada parecido. Também me engano um pouco em relação ao tamanho. Neste, o principezinho ficou grande de mais. Naquele, demasiado pequeno. Também tenho dúvidas acerca da cor do fato dele. Por isso vou tentando, de uma maneira e de outra, umas vezes bem, outras mal. Irei enganar-me em pormenores muito importantes. Mas devem perdoar-me por isso. O meu amigo nunca explicava nada. Provavelmente achava que eu era parecido com ele. Mas eu, infelizmente, não consigo ver ovelhas dentro de caixas. Talvez eu seja um pouco como as pessoas crescidas. Devo ter envelhecido.
5
Todos os dias eu aprendia alguma coisa acerca do planeta dele, da sua partida e da viagem. Tudo isso surgia aos poucos, fruto de reflexões. Foi assim que, ao terceiro dia, fiquei a par do drama dos embondeiros.
Também desta vez isto se deveu à ovelha, uma vez que o principezinho me inquiriu bruscamente, como se estivesse com uma dúvida importante:
- É verdade que as ovelhas comem arbustos, não é?
- É verdade, sim.
- Ah! Fico contente.
Não percebi por que razão era tão importante que as ovelhas comessem arbustos. Mas o principezinho acrescentou:
- Consequentemente, elas também comem embondeiros?
Fiz-lhe ver que os embondeiros não são arbustos, mas sim árvores de grande porte e que, ainda que ele para lá levasse uma manada de elefantes, todos esses elefantes não conseguiriam comer um embondeiro inteiro.
A imagem de uma manada de elefantes fez o principezinho rir-se.
- Teríamos de os pôr uns em cima dos outros.
Mas, a seguir, acrescentou com grande sabedoria:
- Os embondeiros, antes de crescerem, começam por ser pequenos.
- É verdade! Mas porque é que tu queres que as tuas ovelhas comam pequenos embondeiros?
Ele respondeu-me:
- Essa agora...! - Como se se tratasse de uma grande verdade. E eu tive de fazer um grande esforço de inteligência para compreender o problema por mim mesmo.
É que, na verdade, como acontece em todos os planetas, havia no asteroide do principezinho ervas boas e ervas daninhas. E por conseguinte boas sementes de ervas boas e más sementes de ervas daninhas. Mas as sementes são invisíveis. Dormem no segredo da terra, até uma delas decidir acordar. Nessa altura, espreguiça-se e lança timidamente um pequeno botão encantador, na direção do sol. Se for um botão de rabanete ou de roseira, podemos deixá-lo crescer à sua vontade.
Mas se o botão for de uma erva daninha, tem de se arrancar a planta mal a reconheçamos.
Ora, no planeta do principezinho havia sementes terríveis... as dos embondeiros. O solo do planeta estava infestado delas. Se só se reparar num embondeiro tarde de mais, nunca mais nos conseguimos livrar dele. Ele ocupa o planeta todo. Perfura-o com as suas raízes. E, se o planeta for muito pequeno e os embondeiros muito numerosos, eles rebentam com ele.
É uma questão de disciplina - dir-me-ia mais tarde o principezinho. - Depois de fazermos a nossa higiene matinal, temos de tratar cuidadosamente da higiene do planeta. Temos de nos dedicar com regularidade a arrancar os embondeiros, quando os distinguimos das roseiras, com as quais se parecem muito quando são pequenos. É um trabalho muito aborrecido, mas muito fácil.
E, um dia, ele aconselhou-me a aplicar-me e fazer um desenho para que as crianças do meu planeta percebessem bem.
- Se um dia elas viajarem - disse-me. - Pode ser-lhes útil. Às vezes não faz mal nenhum deixar um trabalho para mais tarde. Mas com os embondeiros, isso é sempre uma catástrofe. Eu conheci um planeta onde vivia um preguiçoso. Ele tinha negligenciado três arbustos...
E, de acordo com as instruções do principezinho, eu desenhei esse planeta. Não me agrada nada ser moralista. Mas o perigo representado pelos embondeiros é tão pouco conhecido e os riscos que correm aqueles que habitam asteroides são tão grandes, que vou abrir uma exceção. Digo-vos: «Crianças! Tenham cuidado com os embondeiros!» Foi para advertir os meus amigos de um perigo que os ameaça há muito tempo, assim como a mim próprio, sem que eles o saibam, que trabalhei neste desenho. A lição que vos dou vale a pena.
Vocês poderão talvez questionar-se. «Porque é que ele não tem neste livro outros desenhos tão grandiosos como o dos embondeiros?» A resposta é muito simples. Tentei, mas não consegui fazê-los. Quando desenhei os embondeiros, estava imbuído de um sentimento de urgência.
6
Ah! Principezinho! Foi assim que comecei a perceber, aos poucos, a tua pequena vida melancólica. Não tinhas muito tempo para te distraíres, para além de apreciares a doçura dos pores do sol. Conheci esse novo pormenor na manhã do quarto dia, quando me disseste:
- Eu adoro o pôr do sol. Vamos ver um...
- Mas temos de esperar...
- Esperar por quê?
- Esperar que o sol se ponha.
Começaste por fazer uma expressão de grande surpresa e depois começaste a rir-te de ti mesmo. E disseste-me:
- Continuo a pensar que estou em casa!
De facto. Quando é meio-dia nos Estados Unidos, o sol, como toda a gente sabe, está a pôr-se em França. Bastava conseguir chegar a França num minuto para assistir ao pôr do sol. Infelizmente, a França fica muito distante. Porém, no teu pequeno planeta, bastava-te afastar um pouco a cadeira. E podias ver o crepúsculo sempre que o desejasses...
— Um dia, vi o sol pôr-se quarenta e três vezes! E um pouco mais tarde, acrescentaste:
- Sabes... quando se está mesmo muito triste, adora-se o pôr do sol...
- No dia em que o viste quarenta e três vezes, estavas assim tão triste?
Mas ele não me respondeu.
7
Ao quinto dia, e sempre graças à ovelha, foi-me revelado mais um segredo da vida do principezinho. Ele perguntou-me, de súbito, sem preâmbulos, como se aquela questão fosse fruto de um problema no qual há muito meditava em silêncio:
- Uma ovelha, se come arbustos, também come flores?
- Uma ovelha come tudo aquilo que encontra.
- Mesmo flores que tenham espinhos?
- Sim. Mesmo que tenham espinhos.
- Nesse caso, para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava demasiado ocupado a tentar desapertar uma porca muito apertada do meu motor. Estava muito preocupado, porque a minha avaria começava a parecer-me muito grave e a água que me restava era pouca.
- Os espinhos, para que servem?
Quando fazia uma pergunta, o principezinho nunca desistia dela. Eu estava irritado com a porca, por isso respondi uma coisa qualquer:
- Os espinhos não servem para nada, são uma pura maldade da parte das flores!
- Oh!
Após um momento de silêncio, ele disse-me, com uma espécie de ressentimento:
- Não acredito em ti! As flores são fracas. São ingénuas. Defendem-se como podem. Acham-se terríveis com os seus espinhos...
Não respondi. Naquele momento, dizia para mim mesmo: «Se esta porca não ceder, arranco-a com o martelo.» E o principezinho interrompeu mais uma vez os meus pensamentos.
- Mas tu achas que as flores... ?
- Não. Não. Eu não acho nada. Respondi uma coisa qualquer. Estou a tratar de coisas sérias.
Ele olhou para mim, estupefacto.
- Coisas sérias!
Ele viu-me com o martelo na mão e os dedos sujos de óleo, debruçado sobre um objeto que lhe parecia desprezível.
- Pareces as pessoas crescidas a falar!
Fiquei envergonhado. Mas ele prosseguiu, sem piedade.
- Baralhas tudo... misturas tudo!
Ele estava mesmo muito irritado. Sacudiu os cabelos doirados ao vento.
- Conheço um planeta onde vive um senhor muito atarefado. Ele nunca cheirou uma flor. Nunca olhou para uma estrela. Nunca gostou de ninguém. A única coisa que ele fez na vida foram somas. E todos os dias ele diz a mesma coisa que tu. «Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!» e fica inchado de orgulho. Mas aquilo não é um homem. É um cogumelo!
- Um quê?
- Um cogumelo!
Naquele momento, o principezinho ficou pálido de raiva.
– Há milhões de anos que as flores produzem espinhos. Apesar disso, há milhões de anos que as ovelhas comem flores. E procurar compreender porque é que elas se dão ao trabalho de fabricar espinhos que não servem para nada, não é importante? A guerra entre as ovelhas e as flores não é importante? Não é mais sério e mais importante do que as contas de um senhor gordo e corado? E se eu conhecer uma flor que é única no mundo, que não existe em mais nenhum lado a não ser no meu planeta e que uma pequena ovelha pode destruir com um único gesto, simplesmente, numa manhã, sem se aperceber do que faz, isso não é importante?
Corou e a seguir continuou:
- Se alguém ama uma flor da qual apenas existe um exemplar, entre os milhões de milhões de estrelas, isso é o suficiente para a pessoa ficar feliz quando olha para ela. Diz para si mesma: «Ali está ela, a minha flor...» Mas se a ovelha comer a flor é como se, de repente, para aquela pessoa todas as estrelas se apagassem! Mas isso não é importante!
Ele não conseguiu dizer mais nada. Começou a soluçar de repente. Já era noite. Eu tinha posto de parte as minhas ferramentas. Não queria saber do martelo, da porca, da sede ou da morte. Havia numa estrela um planeta, o meu, a Terra, onde um principezinho precisava de ser consolado! Tomei-o nos braços. Embalei-o. Disse-lhe:
- A flor que tu amas não está em perigo... eu desenho um açaime para a tua ovelha... desenho uma armadura para a flor... eu...
Já não sabia o que dizer mais. Sentia-me muito desconcertado. Não sabia como abordá-lo ou como animá-lo... O mundo das lágrimas é verdadeiramente misterioso.
8
Aprendi bastante depressa a conhecer melhor aquela flor. No planeta do principezinho tinha havido sempre flores muito simples, adornadas por uma única fileira de pétalas. Elas conheciam bem o seu lugar e não incomodavam ninguém. Apareciam certa manhã, por entre as ervas e apagavam-se pela noite. Mas aquela flor germinara um certo dia, a partir de uma semente vinda não se sabia de onde, e o principezinho inspecionara muito de perto aquele botão, que era diferente de todos os outros. Podia tratar-se de uma nova espécie de embondeiro. Mas o arbusto parara rapidamente de crescer, para começar a preparar uma flor. O principezinho, que assistia ao desabrochar de um botão enorme, tinha a sensação de que dali surgiria uma aparição miraculosa, mas a flor não cessava de se preparar para ser bela, abrigada pela sua proteção verde. Escolhia as suas cores com cuidado. Vestia-se devagar e alinhava as pétalas uma a uma. Não queria brotar toda amarrotada, como as papoilas. Queria aparecer em todo o esplendor da sua beleza. Ah! Sim. Ela era muito vaidosa! A sua roupa misteriosa demorara vários dias a preparar. E eis que então numa manhã, precisamente à hora do nascer do sol, ela se revelara.
E a flor, que trabalhara com tanta minúcia, bocejou e disse:
- Ah! Acabo de acordar... peço-lhe desculpa... ainda estou toda despenteada...
O principezinho não conseguiu conter a sua admiração.
- Que bonita é!
- Pois sou - respondeu a flor, numa voz suave. - E nasci ao mesmo tempo que o sol...
O principezinho suspeitou que ela não era muito modesta, mas era tão encantadora!
- Julgo que é a hora do pequeno-almoço — acrescentou ela, pouco depois. - Pode ter a gentileza de pensar em mim?
E o principezinho, todo atrapalhado, foi buscar um regador de água fresca que serviu à flor.
E foi assim que ela começou de imediato a atormentá-lo com a sua vaidade, um pouco caprichosa. Certo dia, quando por exemplo falava ao principezinho dos seus espinhos, ela dissera:
- Eles que venham, os tigres, com as suas garras!
- No meu planeta não há tigres - objetara o principezinho. — E, além disso, os tigres não comem erva...
- Eu não sou uma erva - respondera a flor, num tom dócil.
- Desculpe...
- Eu não tenho medo nenhum dos tigres, mas tenho pavor das correntes de ar. Não tem por aí um guarda-vento?
«Pavor de correntes de ar... mas que azar para uma planta», comentara o principezinho. «Esta flor é muito complicada...»
- À noite, cubram-me com uma redoma. Aqui faz frio. Há poucas comodidades. De onde eu venho...
Mas a flor interrompera o seu discurso. Ela chegara sob a forma de uma semente. Não podia ter conhecido outros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira tão ingénua, tossira duas ou três vezes, para pôr o principezinho do seu lado.
- E o tal guarda-vento?
- Ia buscá-lo, mas você ainda estava a falar comigo! E foi então que ela se esforçou ao máximo para tossir, para que ele sentisse remorsos.
E desse modo, apesar da boa vontade do seu amor, o principezinho começara a desconfiar dela. Tinha levado a sério palavras pouco importantes e não se dera bem com isso.
«Nunca devia ter-lhe dado ouvidos», confidenciou-me ele um dia. «Nunca se deve dar ouvidos às flores. Devemos contemplá-las e cheirá-las. A minha perfumava o meu planeta, mas eu não sabia tirar partido disso. A conversa acerca das garras, que tanto me irritara, devia ter-me enternecido...»
Contou-me ainda:
«Não fui capaz de perceber nada! Devia tê-la julgado pelas suas ações e não pelas palavras. Ela perfumava-me e iluminava-me. Eu nunca devia ter fugido! Devia ter conseguido entrever a ternura dela para além das suas artimanhas. As flores são muito contraditórias! Mas eu era muito jovem para saber amá-la.»
9
Creio que, para a sua evasão, ele terá aproveitado uma migração de pássaros selvagens. Na manhã da sua partida, deixou o planeta em ordem. Varreu cuidadosamente os vulcões em atividade. Havia dois vulcões ativos. E eles davam-lhe muito jeito para aquecer o pequeno-almoço pela manhã. Também tinha um vulcão extinto. Mas, tal como ele dizia: «Nunca se sabe!». Por isso, varria com o mesmo cuidado o vulcão extinto. Quando são bem limpos, os vulcões ardem lentamente e não entram em erupção. As erupções vulcânicas são como o fogo nas chaminés. Como é evidente, na nossa terra, nós somos demasiado pequenos para varrermos os nossos vulcões. É por isso que eles nos provocam muitos aborrecimentos.
O principezinho arrancara também, com alguma melancolia, os últimos rebentos de embondeiro. Ele acreditava que nunca mais regressaria. E, naquela manhã, todas as tarefas familiares pareceram-lhe verdadeiramente doces. Quando estava a regar a flor pela última vez e se preparava para a cobrir com a sua campânula, deu por si com vontade de chorar.
- Adeus - dissera ele à flor.
Mas ela não lhe respondera.
- Adeus - insistira ele.
A flor tossira. Mas não o fizera por estar constipada.
- Fui tonta - respondeu ela, por fim. - Perdoa-me. Trata de ser feliz.
Ficou surpreendido com a ausência de críticas. Ficou ali, completamente desconcertado, com a campânula no ar. Não compreendia aquela doçura calma.
- Mas é claro que eu te amo - disse-lhe a flor. - Nunca soubeste disso, por minha culpa. Não tem importância. Mas tu foste tão tonto como eu. Trata de ser feliz... E deixa essa campânula em paz. Já não a quero.
- Mas, o vento...
- Não estou assim tão constipada... O ar fresco da noite vai fazer-me bem. Sou uma flor.
- Mas, e os animais selvagens...
- Tenho de suportar algumas lagartas para poder conhecer as borboletas. Parece que são muito bonitas. E caso contrário, quem me visitaria? Tu vais estar longe. Em relação aos animais selvagens, não tenho medo deles. Tenho as minhas garras.
Ela exibiu com ingenuidade os seus quatro espinhos. E, a seguir, acrescentou:
- Não fiques para aí a fazer tempo. É irritante. Tu decidiste partir. Vai.
Porque ela não queria que ele a visse chorar. Era mesmo muito orgulhosa, aquela flor...
10
Encontrava-se na região dos asteroides 325, 326, 327, 328, 329 e 330. Começou então por visitá-los, à procura de uma ocupação e de instrução.
No primeiro vivia um rei. O rei estava sentado, com pompa, num trono muito simples mas majestoso, vestido de púrpura e de arminho.
- Ah! Aqui está um súbdito — exclamou o rei quando viu o principezinho.
E o principezinho interrogou-se.
«Como pode ele ter-me reconhecido, se nunca me viu!»
Ele não sabia que, aos olhos dos reis, o mundo é muito simplificado. Todos os homens são súbditos.
- Aproxima-te, para eu te ver melhor - pediu-lhe o rei, todo orgulhoso de ser rei de alguém.
O principezinho olhou à sua volta, à procura de um lugar para se sentar. Mas o planeta estava completamente coberto com o magnífico manto de arminho. Teve, portanto, de ficar de pé. E, como estava cansado, bocejou.
- É falta de educação bocejar em presença de um rei - afirmou o monarca. - Proíbo-te que o faças.
- Não consigo conter-me - respondeu o principezinho, embaraçado. - Fiz uma viagem longa e não dormi...
- Nesse caso - corrigiu o rei. — Ordeno-te que bocejes. Há anos que não via ninguém bocejar. Os bocejos são, para mim, estranhos. Vá lá! Boceja mais uma vez. É uma ordem.
- Isso intimida-me... já não consigo — respondeu o principezinho, que corou.
- Hum! Hum! - retorquiu o rei. - Nesse caso... ordeno-te que ora bocejes, ora...
O rei gaguejou um pouco e parecia ofendido.
Porque o rei desejava, acima de tudo, que a sua autoridade fosse respeitada. Não tolerava desobediências. Tratava-se de um monarca absolutista. Porém, como era muito bom, dava ordens razoáveis.
«Se eu ordenasse», disse ele, de forma fluente. «Se eu ordenasse a um dos meus generais que se transformasse numa gaivota e ele não me obedecesse, a culpa não seria do general. Seria minha.»
- Posso sentar-me? - perguntou, timidamente, o principezinho.
- Ordeno-te que te sentes! — retorquiu o rei, que afastou majestosamente um pouco do seu manto de arminho.
O principezinho estava intrigado. O planeta era minúsculo. Sobre quem poderia ele reinar?
- Majestade... - disse-lhe. - Peço desculpa por questionar-vos...
- Ordeno-te que o faças - apressou-se o rei a replicar.
- Majestade... sobre quem reinais vós?
- Sobre tudo — respondeu o rei, com simplicidade.
- Sobre tudo?
Com um gesto discreto, o rei indicou o seu planeta, os outros planetas e as estrelas.
- Sobre isto tudo?
- Sobre isto tudo - retorquiu o rei.
Ele não era apenas um monarca absolutista, mas era também um monarca universal.
- E as estrelas obedecem-vos?
— Claro que sim — respondeu o rei. — Obedecem-me de imediato. Eu não tolero a indisciplina.
Um poder assim deixa o principezinho maravilhado. Se ele próprio o detivesse, teria podido assistir não a quarenta e quatro mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou duzentos pores do sol, no mesmo dia, sem ter de mudar a cadeira de lugar! E como ele se sentia um pouco triste por se ter lembrado do seu planeta abandonado, atreveu-se a pedir uma graça ao rei.
- Eu gostava de ver um pôr do sol... Fazei-me essa vontade... Ordenai ao sol que se ponha...
- Se eu ordenasse a um dos meus generais que voasse de flor em flor, como se fosse uma borboleta, ou que escrevesse uma tragédia, ou se transformasse em gaivota e o general não obedecesse à minha ordem, de quem seria a responsabilidade? Dele ou minha?
- Seria vossa - respondeu o principezinho, com convicção.
- Precisamente. Só podemos exigir a uma pessoa aquilo que ela for capaz de nos dar — respondeu o rei. - A autoridade apoia-se, em primeiro lugar, na razão. Se ordenares ao teu povo que se atire ao mar, as pessoas farão uma revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque as minhas ordens são razoáveis.
- Então e o meu pôr do sol? - recordou o principezinho, que uma vez tendo feito uma pergunta, nunca desistia dela.
- Tu terás o teu pôr do sol. Eu vou exigi-lo. Mas aguardarei, de acordo com a ciência do meu reinado, até que as condições sejam favoráveis.
- E quando será isso? – quis saber o principezinho.
- Hum! Hum! - respondeu o rei, que consultava um grande calendário. — Hum! Hum! Será pelas... pelas... será esta tarde, às sete e quarenta! E verás como me obedecem.
O principezinho bocejou. Ficou triste porque tinha saudades dos seus pores do sol. Além disso, já estava um bocado aborrecido.
- Não tenho mais nada a fazer aqui - disse ele ao rei. — Vou partir novamente!
- Não vás — retorquiu o rei, que se sentia orgulhoso por ter um súbdito. - Não vás. Eu faço-te ministro!
- Ministro de quê?
- De... da justiça.
- Mas não há ninguém para julgar!
- Não sabemos — respondeu o rei. — Eu ainda não percorri todo o meu reino. Estou muito velho, não tenho onde guardar uma carruagem e canso-me de andar a pé.
– Ah! Mas eu já vi — disse o principezinho, que se debruçou para dar mais uma vista de olhos ao outro lado do planeta. Também não há ninguém ali em baixo...
- Nesse caso, julgas-te a ti mesmo - retorquiu o rei. - É o mais difícil. É extraordinariamente difícil julgarmo-nos a nós próprios, mais do que julgarmos outra pessoa. Se fores capaz de te julgar a ti mesmo, és um verdadeiro sábio.
— Eu posso julgar-me em qualquer lugar — disse o principezinho. - Não preciso viver aqui.
- Hum! Hum! - retorquiu o rei. — Julgo que nalguma parte do meu planeta vive uma velha ratazana. Oiço-a durante a noite. Podes julgá-la. De vez em quando, condená-la à morte. Dessa maneira, a vida dela dependerá da tua justiça. Mas tu vais agraciá-la sempre, para a poupares. Uma vez que só há uma.
- Eu não gosto de condenar ninguém à morte - respondeu o principezinho. - E acho que me vou mesmo embora.
- Não - disse o rei.
Mas o principezinho já tinha terminado os seus preparativos e não queria magoar o velho monarca.
- Se Vossa Majestade desejar ser obedecido pontualmente, poderá dar-me uma ordem razoável. Pode ordenar-me, por exemplo, que parta dentro de um minuto. Parece-me que as condições são favoráveis...
Como o rei não lhe respondesse, o principezinho começou por hesitar mas, a seguir, suspirou e partiu.
- Faço-te meu embaixador - apressou-se a gritar o rei.
Ostentava um ar de grande autoridade.
«As pessoas crescidas são muito estranhas», pensou para consigo o principezinho, durante a sua viagem.
11
O segundo planeta era habitado por um vaidoso.
- Ah! Ah! Aqui está um admirador para me visitar! - exclamou de longe o vaidoso, mal avistou o principezinho.
Porque, para os vaidosos, todas as outras pessoas são admiradoras.
- Bom dia - disse o principezinho. - O senhor tem um chapéu muito engraçado.
- É para saudar — respondeu o vaidoso. — Para agradecer quando me aclamam. Infelizmente, não passa por aqui ninguém.
- Ah, sim? - respondeu o principezinho, que não estava a perceber.
- Bate com as mãos uma na outra - aconselhou então o vaidoso.
O principezinho bateu palmas. O vaidoso saudou-o modestamente, erguendo o chapéu.
«Isto é muito mais divertido que a visita ao rei», pensou-o principezinho. E bateu palmas mais uma vez. O vaidoso voltou a agradecer-lhe, repetindo o gesto como chapéu.
Ao cabo de cinco minutos de exercício, o principezinho fartou-se daquele jogo monótono.
- E o que tem de se fazer para o chapéu cair? - perguntou ele.
Mas o vaidoso não percebeu. Os vaidosos só percebem os elogios.
- E tu, admiras-me assim tanto? - perguntou ao principezinho o vaidoso.
- O que significa admirar?
- Admirar significa reconhecer que eu sou o homem mais belo, mais bem vestido, mais rico e mais inteligente do planeta?
- Mas neste planeta só vives tu!
- Faz-me a vontade. Admira-me mesmo assim!
- Eu admiro-te - respondeu o principezinho, que encolheu um pouco os ombros. - Mas o que te interessa isso?
E o principezinho foi-se embora.
«As pessoas crescidas são definitivamente bizarras», disse simplesmente para si mesmo durante a viagem.
12
O planeta que se seguia era habitado por um bêbado. Aquela visita foi muito curta mas fez o principezinho mergulhar numa grande melancolia.
- O que fazes aí? — perguntou ele ao bêbado, que encontrou instalado em silêncio, diante de uma coleção de garrafas vazias e outra de garrafas cheias.
- Bebo - respondeu o bêbado, com um ar lúgubre.
- Porque bebes? — inquiriu o principezinho.
- Para esquecer - retorquiu o bêbado.
- Para esquecer o quê? - perguntou o principezinho, que começava a sentir pena dele.
- Para me esquecer que tenho vergonha - confessou o bêbado, baixando a cabeça.
- Vergonha de quê? - procurou perceber o principezinho, que desejava ajudá-lo.
- Vergonha de beber! — concluiu o bêbado, que se remeteu definitivamente ao silêncio.
E o principezinho partiu, perplexo.
«As pessoas crescidas são decididamente muito estranhas», disse para si próprio, ao longo da viagem.
13
O quarto planeta era o do homem de negócios. Um homem que estava tão ocupado que nem sequer levantou a cabeça quando o principezinho ali chegou.
- Bom dia! — cumprimentou o principezinho. - Tem o cigarro apagado!
- Três mais dois são cinco. Cinco mais sete, doze. Doze e três, quinze. Quinze com sete, são vinte e dois. Vinte e dois mais seis, vinte e oito. Não tenho tempo para voltar a acendê-lo. Vinte e seis e cinco, trinta e um. Ufa! Portanto, isto perfaz quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.
- Quinhentos milhões de quê?
- Hã? Ainda aí estás? Quinhentos milhões de... já não sei... estou cheio de trabalho! Sou muito sério, eu. Não perco tempo com baboseiras! Dois mais cinco, são sete.
- Quinhentos milhões de quê? — insistiu o principezinho, que nunca na vida desistira de uma pergunta depois de a ter feito.
O homem de negócios ergueu a cabeça.
- Há cinquenta e quatro anos que vivo neste planeta e apenas fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte e dois anos, por um besouro que caiu sabe Deus de onde. Fazia um ruído aterrador e enganei-me quatro vezes numa soma. A segunda vez foi há onze anos, por uma crise de reumatismo. Não faço exercício. Não tenho tempo para andar a vadiar por aí. Eu sou muito sério. A terceira vez... aqui a tens! Dizia eu, portanto, quinhentos e um milhões...
- Milhões de quê?
O homem de negócios percebeu que não valia a pena ter esperança de ser deixado em paz.
- Milhões daquelas coisas pequenas que por vezes se veem no céu.
- Moscas?
- Não, aquelas coisas pequenas que brilham.
- Abelhas?
- Nada disso. Aquelas coisas pequenas e douradas que fazem sonhar os preguiçosos. Mas eu sou sério. Não tenho tempo para devaneios.
- Ah! Estrelas?
- É isso mesmo. Estrelas.
- E o que fazes tu com quinhentos milhões de estrelas?
- Quinhentos e um milhões, cento e vinte e duas mil, setecentas e trinta e uma. Eu sou muito sério, sou exato.
- Mas que fazes tu com essas estrelas?
- O que faço?
- Sim.
- Não faço nada. Sou dono delas.
- És dono de estrelas?
- Sim.
- Mas eu já conheci um rei que...
- Os reis não são donos de nada. Eles «reinam» sobre. É muito diferente.
- E de que te serve seres dono de estrelas?
- Serve-me para ser rico.
- E para que te serve seres rico?
- Para comprar mais estrelas, se alguém encontrar mais.
«Este aqui», pensou para consigo o principezinho. «Este pensa como o meu alcoólico.»
Por isso, fez-lhe mais algumas perguntas.
- Como podemos ser donos de estrelas?
- A quem pertencem elas? - ripostou, rabugento, o homem de negócios.
- Sei lá. A ninguém.
- Nesse caso, são minhas, porque eu fui o primeiro a pensar nisso.
- E isso chega?
- Claro que sim. Quando tu encontras um diamante que não pertence a ninguém, ele passa a ser teu. Se encontrares uma ilha que não é de ninguém, ela passa a ser tua. Se fores a primeira pessoa a ter uma ideia, ficas com a patente e ela é tua. Por isso, eu sou dono das estrelas, porque ninguém antes de mim sonhou possuí-las.
- Isso é verdade — respondeu o principezinho. - E o que fazes tu com elas?
- Administro-as. Conto-as e volto a contá-las - respondeu o homem de negócios. - É difícil. Mas eu sou um homem sério!
O principezinho ainda não estava satisfeito.
- Se eu tiver um lenço, posso enrolá-lo à volta do pescoço e levá-lo comigo. Se possuir uma flor, posso apanhá-la e levá-la comigo. Mas tu não podes apanhar as estrelas.
- Pois não, mas posso pô-las no banco.
- O que quer isso dizer?
- Quer dizer que escrevo a quantidade de estrelas que tenho num pequeno papel. E a seguir fecho esse pedaço de papel à chave, numa gaveta.
- Só isso?
- É só isso!
«É divertido», pensara o principezinho. «É muito poético. Mas não é assim tão importante.»
O principezinho tinha uma opinião muito diferente da das pessoas crescidas a propósito das coisas que eram importantes.
- Eu cá tenho uma flor que rego todos os dias. Tenho três vulcões que varro todas as semanas. É que eu também varro aquele que está extinto. Nunca se sabe. É útil para os meus vulcões e para a minha flor que eu os possua. Mas tu não tens utilidade nenhuma para as estrelas...
O homem de negócios abriu a boca, mas não conseguiu dar uma resposta e o principezinho partiu.
«De facto, as pessoas crescidas são verdadeiramente extraordinárias», pensou o principezinho, enquanto viajava.
14
O quinto planeta era muito curioso. Era o mais pequeno de todos. Só tinha espaço para alojar um candeeiro de rua e um acendedor de candeeiros. O principezinho não conseguia perceber para que serviam um candeeiro e um acendedor de candeeiros num planeta que não tinha casas nem população. Por isso, disse para si mesmo.
«Este homem é bem capaz de ser ridículo. Ainda assim, ele é menos ridículo do que o rei, o vaidoso, o homem de negócios ou o bêbado. Pelo menos, o trabalho dele tem fundamento. Quando acende o seu candeeiro, é como se ele desse vida a mais uma estrela ou a mais uma flor. Quando apaga o candeeiro, a estrela ou a flor descansam. É uma ocupação muito bonita. É deveras útil, por ser tão bonita.»
Quando se aproximou do planeta, saudou respeitosamente o acendedor.
- Bom dia. Porque é que estás a apagar o teu candeeiro?
- São as ordens que tenho - respondeu o acendedor. - Bom dia.
- Que ordens são essas?
- São para apagar o meu candeeiro. Boa noite.
E ele voltou a acender o candeeiro.
- E agora, porque estás a acendê-lo outra vez?
- São ordens — respondeu o acendedor.
- Não percebo – disse o principezinho.
- Não há nada para perceber — retorquiu o acendedor. - Ordens são ordens. Bom dia.
E apagou o candeeiro.
A seguir, limpou a testa com um lenço aos quadrados vermelhos.
- Tenho um emprego terrível. Antigamente era razoável. Apagava-o de manhã e acendia-o à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir...
- Mas as tuas ordens foram alteradas entretanto?
- Não foram as ordens que foram alteradas. Esse é que é o problema! Ano após ano, o planeta mexe-se cada vez mais depressa e as ordens não mudaram!
- E então? — perguntou o principezinho.
- Agora o planeta dá a volta num minuto e eu não tenho um segundo de descanso. Acendo e apago de minuto a minuto!
- Que estranho! O dia no teu planeta dura um minuto!
- Não é nada estranho - respondeu o acendedor. - Já estamos aqui a falar há um mês.
- Um mês?
- Sim. Trinta minutos. Trinta dias! Boa noite.
E voltou a acender o seu candeeiro.
O principezinho observava-o e adorava aquele acendedor, que era tão fiel às suas ordens. Recordou os pores do sol que costumava perseguir, mudando a sua cadeira de lugar. Desejava ajudar o seu amigo.
- Sabes... eu sei de uma maneira de tu poderes descansar, quando quiseres...
- Eu quero sempre descansar - respondeu o acendedor.
Porque pode ser-se, ao mesmo tempo, fiel e preguiçoso.
O principezinho prosseguiu.
- O teu planeta é tão pequenino que em três passos dás-lhe a volta. Basta-te andar muito devagar para estares sempre ao sol. Quando quiseres descansar, caminhas... e o dia durará o tempo que tu desejares.
- Isso não me vale de muito - respondeu o acendedor. - O que eu mais adoro na vida é dormir.
- É preciso ter azar - comentou o principezinho.
- É preciso ter azar - respondeu o acendedor. – Bom dia.
E apagou o candeeiro.
«Este aqui», pensou o principezinho, enquanto prosseguia viagem, «este seria alvo de desprezo de todos os outros, o rei, o vaidoso, o bêbado, o homem de negócios. Por isso, este é o único que não acho ridículo. Talvez por ele se ocupar de alguma coisa para além dele mesmo.»
Suspirou, com pena e continuou a pensar.
«Este era o único de quem eu podia ter sido amigo. Mas o planeta dele é pequeno de mais. Não há espaço para dois...»
Mas o principezinho não ousava admitir que aquilo de que sentia mais pena naquele planeta abençoado eram os mil quatrocentos e quarenta pores do sol a cada vinte e quatro horas!
15
O sexto planeta era dez vezes maior.
Nele vivia um senhor idoso que escrevia nuns livros enormes.
– Olha! Aqui temos um explorador — exclamou ele, quando viu o principezinho.
O principezinho sentou-se em cima da mesa e bufou. Já tinha viajado muito.
- De onde vieste? - perguntou o idoso.
- Que livro tão grande é este? — perguntou o principezinho. — O que é que o senhor faz aqui?
- Eu sou geógrafo - respondeu o idoso.
- O que é um geógrafo?
- É um estudioso que sabe onde ficam os mares, os rios, as cidades, as montanhas e os desertos.
- Isso é muito interessante - comentou o principezinho. - Ora aqui está, enfim, uma verdadeira profissão! – E olhou à sua volta, para contemplar o planeta do geógrafo. Nunca tinha visto um planeta tão majestoso.
- Que bonito é o seu planeta. Tem cá oceanos?
- Não tenho maneira de saber - respondeu o geógrafo.
- Ah! — o principezinho ficou desapontado. - E montanhas?
- Não tenho maneira de saber - respondeu o geógrafo.
- E cidades, rios ou desertos?
- Também não tenho maneira de saber - respondeu o geógrafo.
- Mas o senhor é geógrafo!
- É verdade — retorquiu o geógrafo. Mas não sou explorador. Os exploradores fazem-me imensa falta. Não é o geógrafo que pode identificar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos e os desertos. O geógrafo é demasiado importante para andar por aí a vadiar. Ele nunca sai do seu gabinete. E é aí que ele recebe os exploradores. Questiona-os e toma nota daquilo que eles lhe dizem. E se o relato de algum deles lhe parece interessante, o geógrafo encarrega-se de mandar investigar a integridade desse explorador.
- E porquê?
- Porque um explorador que mentisse desencadearia verdadeiras catástrofes nos compêndios de geografia. Tal como um explorador que bebesse de mais.
- E porquê? - questionou o principezinho.
- Porque os bêbados veem a tudo a dobrar. Por isso, o geógrafo assinalaria duas montanhas, onde apenas existia uma.
- Conheço uma pessoa que dava um péssimo explorador.
- É possível. Por isso é que quando um explorador nos parece íntegro nós inspecionamos a sua descoberta.
- Vai-se verificar?
- Não. Isso é muito complicado. Mas exigem-se provas ao explorador. Por exemplo, se se tratar de uma montanha grande, exige-se ao explorador que traga uns pedregulhos.
O geógrafo ficou muito excitado de repente.
- Mas tu, tu vens de longe! Tu és um explorador! Vais descrever-me o teu planeta!
- E, depois de abrir o seu livro, o geógrafo afiou o lápis. Os relatos dos exploradores começam por ser registados a lápis. Antes de serem passados a tinta, espera-se que eles apresentem provas.
- E então? — inquiriu o geógrafo.
- Ah! O sítio de onde eu venho não é interessante. É muito pequeno. Tenho três vulcões, dois ativos e um extinto. Mas nunca se sabe.
- Nunca se sabe - repetiu o geógrafo.
- Também tenho uma flor.
- Nós não registamos flores - respondeu o geógrafo.
- E porquê? São a coisa mais bela!
- Porque as flores são efémeras.
- O que significa «efémera»?
- Os livros de geografia – disse o geógrafo - ,são os mais preciosos de todos os livros. Eles nunca ficam desatualizados. É raro uma montanha mudar de sítio. É muito raro que um oceano fique seco. Nós registamos coisas eternas.
- Mas os vulcões extintos podem despertar - interrompeu o principezinho. - O que significa «efémera»?
- Que os vulcões estejam extintos ou despertem é igual para nós - respondeu o geógrafo. - O que conta para nós são as montanhas. Essas não mudam.
- Mas o que significa «efémera»? — insistiu o principezinho que nunca na sua vida desistira de uma pergunta que já tivesse feito.
- Significa que «está sob ameaça de desaparecer em breve».
- A minha flor está sob ameaça de desaparecer em breve?
- Certamente.
«A minha flor é efémera», pensou o principezinho. «E ela só tem quatro espinhos para se defender do mundo! E eu deixei-a lá sozinha, no meu planeta!»
Aquele foi o seu primeiro momento de arrependimento. Mas ele voltou a ganhar coragem.
- O que me aconselharia a visitar? - inquiriu ele.
- O planeta Terra — respondeu o geógrafo. — Tem uma boa reputação.
E o principezinho partiu, a pensar na sua flor.
16
O sétimo planeta era então a Terra.
A Terra não é um planeta qualquer! Nela vivem cento e onze reis (contando, evidentemente, com os reis negros), sete mil geógrafos, novecentos mil homens de negócios, sete milhões e quinhentos mil bêbados, trezentos e onze milhões de vaidosos, ou seja, perto de dois mil milhões de pessoas crescidas.
Para vos dar uma ideia das dimensões da Terra, posso dizer-vos que, antes de a eletricidade ter sido inventada, devia haver, entre os seis continentes, um verdadeiro exército de quatrocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e onze acendedores de candeeiros de rua.
Vistos a alguma distância produziam um efeito esplêndido. Os movimentos deste exército eram regrados como os de um bailado numa ópera. Começava com o turno de acendedores da Austrália e Nova Zelândia. Depois de acenderem os seus candeeiros, eles iam dormir. A seguir, entrava o turno dos acendedores de candeeiros da China e da Sibéria. De seguida, também eles desapareciam nos bastidores. Era então a vez dos acendedores de candeeiros da Rússia e das Índias. A seguir, os da África e da Europa. Depois os da América do Sul. E a seguir os da América do Norte. E eles nunca se enganavam na sua ordem de entrada em cena. Era algo grandioso.
Apenas o acendedor do único candeeiro do Polo Norte e o seu congénere do único candeeiro do Polo Sul levavam vidas ociosas e tranquilas. Só trabalhavam duas vezes por ano.
17
Quando se quer ter graça, acontece que se mente um pouco. Eu não fui totalmente honesto quando vos falei dos acendedores de candeeiros. Arrisco-me a dar uma ideia errada acerca do nosso planeta àqueles que não o conheçam. As pessoas ocupam muito pouco espaço na Terra. Se os dois mil milhões de habitantes do planeta se pusessem de pé e muito juntos, como numa manifestação, eles caberiam certamente numa praça pública com vinte milhas de comprimento por vinte de largura. Podíamos juntar toda a espécie humana na mais pequena ilhota do Pacífico.
É evidente que as pessoas crescidas não vão acreditar nisso. Elas acham que ocupam muito espaço. Pensam que são importantes como os embondeiros. Nesse caso, aconselhem-nas a fazer as contas. Isso irá agradar-lhes. Mas não percam tempo com esse trabalho todo. É inútil. Acreditem em mim.
Quando chegou à Terra, o principezinho ficou admirado por não ver ninguém. Receava já ter-se enganado no planeta, quando viu um anel da cor do luar a rastejar na areia.
- Boa noite - disse o principezinho, tentando a sua sorte.
- Boa noite — respondeu a serpente.
- Que planeta é este onde aterrei? — perguntou o principezinho.
- É a Terra, estás em África - retorquiu a serpente.
- Ah!...Então, não vive ninguém na Terra?
- Isto é o deserto. Não há pessoas nos desertos. A Terra é grande — disse a serpente.
O principezinho sentou-se numa pedra e ergueu os olhos para o céu.
- Tenho uma dúvida - disse. - As estrelas estão iluminadas para que cada pessoa possa encontrar a sua? Olha o meu planeta. Está mesmo por cima de nós... Está tão longe!
- É bonito - comentou a serpente. O que vieste fazer aqui?
— Estou a ter problemas com uma flor - respondeu o principezinho.
- Ah! - disse a serpente.
E ficaram os dois em silêncio.
- Onde estão os humanos? - retomou por fim o principezinho. — No deserto está-se um pouco só...
- Também se está só ao pé dos humanos - retorquiu a serpente.
O principezinho ficou a olhar para ela durante muito tempo.
- És um animal estranho - disse, por fim - fino como um dedo.
- Mas tenho mais poder do que o dedo de um rei - respondeu a serpente.
O principezinho esboçou um sorriso.
- Não podes ser assim tão poderosa... nem sequer tens patas... não podes viajar...
- Podia levar-te mais longe do que um navio - retorquiu a serpente.
A serpente enrolou-se à volta do tornozelo do principezinho, como se fosse uma pulseira de ouro.
- Se alguém me toca, eu devolvo-o à terra, de onde veio - acrescentou. - Mas tu és puro e vens de uma estrela...
O principezinho não respondeu.
- Tenho pena de ti, assim tão frágil, nesta Terra dura. Eu posso ajudar-te se um dia tiveres muitas saudades do teu planeta. Posso...
— Ah! Eu já percebi muito bem — respondeu o principezinho. - Mas porque é que tu falas por enigmas?
- Porque os resolvo todos — respondeu a serpente.
E ficaram os dois em silêncio.
18
O principezinho atravessou o deserto e a única coisa que encontrou foi uma flor. Uma flor de três pétalas, uma florzinha de nada...
- Bom dia — cumprimentou o principezinho.
- Bom dia - respondeu a flor.
- Onde estão os humanos? - perguntou o principezinho, educadamente.
Um dia a flor tinha visto passar uma caravana.
- Os humanos? Julgo que eles são apenas seis ou sete. Eu avistei-os há uns anos. Mas nunca se sabe onde podemos encontrá-los. Eles viajam ao sabor do vento. Não têm raízes e isso causa-lhes muitos problemas.
- Adeus — disse o principezinho.
- Adeus - respondeu a flor.
19
O principezinho escalou uma montanha muito alta. As únicas montanhas que conhecia eram os seus vulcões, que lhe chegavam aos joelhos. E ele usava o vulcão excinto como tamborete. «Do cimo de uma montanha tão alta como esta», pensou para si mesmo, «vou conseguir ver o planeta todo e os humanos todos...» Mas a única coisa que ele viu foram uns picos rochosos muito aguçados.
- Bom dia - disse ele, tentando a sua sorte.
- Bom dia... Bom dia... Bom dia... - repetiu o eco.
- Quem são vocês? - perguntou o principezinho.
- Quem são vocês... Quem são vocês... Quem são vocês... - respondeu o eco.
- Sejam meus amigos, eu estou só - comentou ele.
- Eu estou só... Eu estou só... Eu estou só... - repetiu o eco.
«Que planeta tão estranho!», pensou ele, naquele momento.
«É seco, cheio de picos, salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem aquilo que lhes dizemos... No meu planeta eu tinha uma flor e era sempre ela que falava primeiro...»
20
No entanto, depois de muito caminhar sobre areia, rochas e neve, o principezinho encontrou finalmente uma estrada. E todas as estradas vão dar aos humanos.
- Bom dia — disse ele.
Era um jardim florido, de rosas.
- Bom dia - responderam as rosas.
O principezinho contemplou-as. Eram muito parecidas com a sua flor.
- Que flores são vocês? - perguntou ele, surpreendido.
- Somos rosas - responderam as flores.
- Ah! — exclamou o principezinho.
E ele ficou muito infeliz. A flor dele tinha-lhe dito que era um exemplar único em todo o universo. E ali estavam cinco mil flores, todas idênticas, num só jardim!
«Ela havia de ficar muito chateada se visse isto», pensou ele. «Havia de tossir imenso e fingiria morrer para não ser ridicularizada. E eu ver-me-ia obrigado a dar a ideia de que estava a tratar dela, caso contrário, para me humilhar a mim também, ela havia de se deixar morrer mesmo...»
A seguir, pensou ainda.
«Eu achava que era rico por ter uma flor única e afinal apenas tenho uma rosa comum. A minha rosa meus e os três vulcões que me dão pelo joelho, e dos quais um se encontra extinto provavelmente para sempre, não fazem de mim grande príncipe...» E, deitado na relva, o principezinho chorou.
21
Foi nessa altura que apareceu a raposa.
- Bom dia - disse a raposa.
- Bom dia — respondeu educadamente o principezinho, que se virou mas não viu ninguém.
- Estou aqui — respondeu a raposa. - Debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És muito bonita.
- Sou uma raposa - respondeu a raposa.
- Anda brincar comigo — propôs-lhe o principezinho. - Estou tão triste...
- Não posso brincar contigo - respondeu a raposa. - Ainda não fui cativada.
- Ah! Desculpa — disse o principezinho.
Mas ele ficou a pensar e a seguir perguntou.
– O que é que significa «cativar»?
- Tu não és de cá - disse a raposa. - O que procuras?
- Procuro os humanos - respondeu o principezinho. - O que significa «cativar»?
- Os humanos — disse a raposa —, têm espingardas e caçam. É muito aborrecido. Eles também criam galinhas. É a única coisa interessante que fazem. Andas à procura de galinhas?
- Não — respondeu. — Ando à procura de amigos. O que significa «cativa»?
- É uma coisa que caiu em esquecimento - respondeu a raposa. — Significa «criar laços...»
- Criar laços?
- Isso mesmo - disse a raposa. - Para mim, tu não passas de um rapazinho, parecido com milhares de outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. Nem tu de mim. Para ti, sou apenas uma raposa, semelhante a tantas outras raposas. Mas se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Tu passas a ser único no mundo, para mim. E eu passo a ser única para ti...
- Começo a perceber - disse o principezinho. - Há uma flor... eu acho que ela me cativou...
- É possível - respondeu a raposa. - Na Terra encontra-se de tudo.
- Ah! Mas não é na Terra - comentou o principezinho.
A raposa parecia intrigada.
- É noutro planeta?
- Sim.
- E nesse planeta há caçadores?
- Não.
– Interessante! E galinhas?
- Não.
— Não se pode ter tudo - suspirou a raposa.
E a raposa retomou o seu raciocínio.
- Eu tenho uma vida monótona. Caço galinhas, os humanos caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais e os humanos também. Por isso, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me cativares, a minha vida será iluminada. Reconhecerei o ruído de uns passos que será diferente de todos os outros. Os outros passos fazem com que me esconda. Os teus atrair-me-ão para fora da toca, como uma melodia. E depois, olha! Vês, ali em baixo, aqueles campos de trigo? Eu não como pão. Para mim, o trigo é inútil. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E isso é triste! Mas tu tens cabelos da cor do ouro. Por isso, quando me cativares será maravilhoso. O trigo, que é dourado, far-me-á lembrar de ti. E eu vou passar a adorar o ruído do vento no trigo...
A raposa calou-se e ficou muito tempo a olhar para o principezinho.
- Por favor... cativa-me! — disse-lhe ela.
- Eu bem queria — respondeu o principezinho. - Mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para conhecer e muitas coisas para descobrir.
– Nós só conhecemos as coisas que cativamos - disse a raposa. - Os humanos não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nas lojas. Mas como não há lojas que vendam amigos, os humanos têm poucos amigos. Se tu queres ter um amigo, cativa-me.
- O que tenho de fazer? - perguntou o principezinho.
- Tens de ter muita paciência - respondeu a raposa. - Começas por te sentar um pouco mais longe de mim, assim, na relva. Eu observo-te pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, dia após dia, podes começar a sentar-te cada vez mais perto...
No dia seguinte, o principezinho voltou.
- Era melhor que tivesses vindo à mesma hora - comentou a raposa. - Se vieres, por exemplo, às quatro da tarde, às três eu já começo a ficar contente. Quanto mais a hora se aproximar, mais feliz eu me sentirei. Quando forem quatro horas, eu começo a ficar agitada e inquieta. Conhecerei o preço da felicidade! Mas se tu vieres a uma hora qualquer, eu não sei a que horas devo preparar o meu coração... eu preciso de rituais.
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa muitas vezes esquecida - disse a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente de todos os outros e uma hora diferente das outras todas. Por exemplo, os meus caçadores têm um ritual. Às quintas-feiras, eles dançam com as raparigas da aldeia. Por isso, a quinta-feira é um dia maravilhoso! Eu posso ir passear até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias eram todos iguais e eu não tinha férias.
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando a hora da partida se aproximou:
- Ah! - exclamou a raposa. - Vou chorar.
- A culpa é tua — respondeu o principezinho. - Eu não queria fazer-te mal, mas tu quiseste que eu te cativasse...
Pois foi... disse a raposa.
- Mas vais chorar! - disse o principezinho.
- Sim - disse a raposa.
- Por isso, não ficas a ganhar nada!
- Ah isso é que ganho - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo.
E, a seguir, acrescentou.
- Vai ver as rosas mais uma vez. Vais perceber que a tua é única no mundo. Volta para te despedires de mim e eu vou presentear-te com um segredo.
O principezinho foi rever as rosas.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa. Ainda não são nada - disse ele às flores. - Ainda ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. Vocês são como era a minha raposa, que era uma raposa parecida com todas as outras. Mas eu fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram muito incomodadas.
– Vocês são belas, mas são vazias — prosseguiu ele. - Não se pode morrer por vocês. É claro que para um qualquer transeunte, a minha rosa é parecida convosco. Mas só ela é mais importante que todas vocês, porque foi ela que eu reguei. Foi ela que tapei com a campânula. Foi ela que abriguei com o guarda-vento. Foi por ela que eu matei as lagartas (à exceção de duas ou três, para que houvesse borboletas). Foi ela que ouvi queixar-se, gabar-se e, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E ele voltou para junto da raposa.
- Adeus - disse-lhe.
- Adeus — respondeu a raposa. - O meu segredo é este. É muito simples. Nós só vemos bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
- O essencial é invisível aos olhos - repetiu o principezinho, para não se esquecer.
- É o tempo que tu perdeste com a tua rosa que a torna tão importante.
- É o tempo que eu perdi com a minha rosa... - disse o principezinho, para se lembrar.
- Os humanos esqueceram essa verdade - disse a raposa. - Mas tu não deves esquecê-la. Tu tornas-te responsável para sempre por aquilo que cativas. És responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... – repetiu o principezinho, para não se esquecer.
22
- Bom dia — disse o principezinho.
- Bom dia - respondeu o agulheiro.
- O que estás a fazer aqui? - perguntou o principezinho.
- Faço a divisão dos viajantes, em conjuntos de mil - disse o agulheiro. - Despacho os comboios que os transportam, às vezes para a direita e outras para a esquerda.
E um rápido iluminado, que rugia como um trovão, sacudiu a cabina do agulheiro.
- Que pressa que eles têm — comentou o principezinho. - O que procuram eles?
– Nem o maquinista sabe — respondeu o agulheiro.
E, no sentido oposto, rugiu um outro rápido iluminado.
– Já estão de volta? — perguntou o principezinho.
- Não são os mesmos - disse o agulheiro. — É uma troca.
- Eles não estavam bem no sítio onde estavam?
- Nunca se está contente no sítio onde se está - respondeu o agulheiro.
E um terceiro rápido iluminado rugiu.
- Estes vão atrás dos primeiros viajantes? - perguntou o principezinho.
- Eles não vão atrás de ninguém - disse o agulheiro. - Eles vão a dormir lá dentro ou então estão a bocejar. Só as crianças é que vão de nariz colado às janelas.
- Só as crianças sabem o que procuram - disse o principezinho. -Podem perder tempo com uma boneca de trapos, que se torna muito importante e se lha tiramos elas choram...
- São umas sortudas — respondeu o agulheiro.
23
- Bom dia — disse o principezinho.
- Bom dia - respondeu o comerciante.
Tratava-se de um vendedor de comprimidos desenvolvidos para matar a sede. Toma-se um por semana e deixa de se sentir necessidade de beber.
- Porque vendes isso? — perguntou o principezinho.
- Porque poupa imenso tempo — respondeu o comerciante. — Foram peritos que fizeram os cálculos. Poupa-se cinquenta e três minutos por semana.
- E o que se faz com esses cinquenta e três minutos?
- Faz-se aquilo que se quiser...
«Eu», pensou o principezinho, «se tivesse cinquenta e três minutos de sobra, ia muito devagarinho até uma fonte...»
24
Era o oitavo dia desde a minha avaria no deserto e eu ouvira a história do comerciante ao mesmo tempo que bebia o que restava da minha provisão de água.
- Ah! — disse eu ao principezinho. - As tuas recordações são muito bonitas, mas eu ainda não arranjei o meu avião, não tenho mais água e também ficaria contente se pudesse ir devagarinho até uma fonte!
- A minha amiga raposa... - disse ele.
- Olha, rapazinho, a raposa já não interessa!
- Porquê?
- Porque vamos morrer de sede...
Ele não compreendeu o meu raciocínio e respondeu-me.
- Foi bom ter tido um amigo, ainda que vamos morrer. Fico muito feliz por ter tido uma amiga raposa...
«Ele não tem a noção do perigo», pensei eu. «Nunca tem fome nem sede. Basta-lhe um pouco de sol...»
Mas ele olhou para mim e respondeu ao meu pensamento.
- Eu também tenho sede... vamos procurar um poço...
Fiz um gesto desesperado. É absurdo procurar um poço, à toa, na imensidão do deserto. Ainda assim, fizemo-nos ao caminho.
Depois de termos caminhado em silêncio algumas horas, a noite caiu e as estrelas começaram a acender-se. Vi-as aparecer como num sonho. Estava já um pouco febril, por causa da sede. As palavras do principezinho repetiam-se na minha cabeça.
- Então, tu também tens sede? - perguntei-lhe.
Mas ele não respondeu à minha pergunta. Limitou-se a dizer:
- A água também pode fazer bem ao coração...
Não percebi a resposta dele mas calei-me... Já sabia que não valia a pena questioná-lo.
Ele estava cansado. Sentou-se. Eu sentei-me ao pé dele. E, depois de um silêncio, ele disse-me.
- As estrelas são bonitas por causa de uma flor que não se vê...
Eu respondi.
- Claro que sim. - E pus-me a observar as marcas da areia à luz do luar.
- O deserto é bonito... - acrescentou ele.
E era verdade. Eu sempre gostei do deserto. Estávamos sentados numa duna. Não se via nada. Não se ouvia nada. E foi então que alguma coisa reluziu em silêncio...
- O que embeleza o deserto — disse o principezinho - é o facto de ter um poço escondido algures...
Fiquei admirado quando percebi de súbito o que provocava aquele misterioso reluzir na areia. Quando era um rapazinho, morava numa casa antiga e rezava a lenda que ali havia um tesouro escondido. É claro que nunca ninguém o descobriu e provavelmente ninguém o procurou. Mas a casa era encantada por ele. A minha casa tinha um segredo escondido no fundo do seu coração...
- Sim - disse eu ao principezinho. - Seja uma casa, as estrelas ou o deserto, aquilo que lhes dá beleza é invisível!
- Fico feliz - disse-me ele. - Que estejas de acordo com a minha raposa.
Como o principezinho adormeceu, eu tomei-o nos braços e fiz-me de novo ao caminho. Sentia-me comovido. Parecia que transportava um tesouro muito frágil. Na verdade, era como se não houvesse nada tão frágil à face da Terra. Sob a luz do luar, contemplei o seu rosto pálido, os seus olhos fechados, as madeixas do seu cabelo que se agitavam ao vento. E disse para mim mesmo: «Aquilo que aqui vejo é apenas um invólucro. O mais importante é invisível...»
Uma vez que os lábios entreabertos dele esboçavam um sorriso, pensei ainda: «Aquilo que mais me comove neste pequeno príncipe adormecido é a fidelidade que ele tem para com uma flor, a imagem de uma rosa que o ilumina como a chama de um candeeiro, mesmo quando está a dormir...» E percebi que ele era ainda mais frágil do que eu pensava. Há que proteger os candeeiros. Um sopro de vento pode apagá-los...
E foi assim, a caminhar, que ao nascer do dia descobri um poço.
25
- Os humanos — disse o principezinho - fecham-se dentro de comboios mas não sabem o que procuram. Por isso, andam sempre às voltas...
E acrescentou.
- Não vale a pena...
O poço que encontramos não se parecia nada com os poços saarianos. Os poços saarianos são simplesmente buracos abertos na areia. Aquele parecia o poço de uma aldeia. Mas não havia ali nenhuma aldeia e eu julguei que estava a sonhar.
- Que estranho — disse eu para o principezinho. - Está tudo a postos. A roldana, o balde e a corda...
Ele riu-se, mexeu na corda e acionou a roldana. E a roldana gemeu como se fosse um catavento, depois de ter estado muito tempo parado.
- Estás a ouvir? — disse o principezinho. — Acordámos o poço e ele está a cantar.
Eu não queria que ele fizesse esforços.
- Deixa-me fazer isso - disse-lhe. - É pesado de mais para ti.
Icei lentamente o balde até à borda. Pousei-o direito, na vertical. Nos meus ouvidos retinia o canto da roldana e, na água que continuava a tremer, vi refletir-se o sol.
- Tenho sede desta água - disse o principezinho. - Dá-me de beber.
Percebi então o que ele procurava!
Levei-lhe o balde aos lábios. Ele bebeu, de olhos fechados. A água era doce, como um banquete. Era muito mais do que um alimento. Nascera da caminhada à luz das estrelas, do canto da roldana e do esforço dos meus braços. Era boa para o coração, como se fosse um presente. Quando era rapazinho, a iluminação da árvore de Natal, a música da missa do Galo, a doçura dos sorrisos, todos eles contribuíam para o brilho do presente de Natal que eu recebia.
- Os humanos do teu planeta - disse o principezinho. - Plantam cinco mil rosas no mesmo jardim... e não encontram aquilo que procuram...
- Pois não... - concordei.
- E aquilo que eles procuram pode encontrar-se numa única rosa ou num gole de água...
- É verdade — respondi.
E ele prosseguiu.
- Mas os olhos são cegos. Tem se de procurar com o coração.
Eu já tinha bebido. Respirei fundo. A areia, ao nascer do sol, é da cor do mel. Aquela cor de mel fez-me feliz. Por que razão tinha eu de sofrer?
- Tens de cumprir a tua promessa - disse-me com doçura o principezinho, que veio sentar-se outra vez ao meu lado.
- Que promessa?
- Tu sabes... o açaime para a minha ovelha... sou responsável por aquela flor!
Tirei os meus esboços do bolso. O principezinho viu-os e não disse nada.
- Os teus embondeiros parecem-se com umas couves...
- Oh!
E eu que tinha tanto orgulho nos meus embondeiros!
- E a tua raposa... as orelhas... parecem uns cornos... são compridas de mais!
E riu-se outra vez.
- Estás a ser injusto, rapazinho, eu só sabia desenhar jiboias fechadas e jiboias abertas.
- Ah! Serve — disse ele. — As crianças percebem.
Desenhei um açaime. E quando lho entreguei, tinha um aperto no peito.
- Tens uns projetos que eu desconheço...
Mas ele não me respondeu. Disse-me:
- Sabes... faz amanhã um ano... que aterrei na Terra. E depois de um silêncio, acrescentou.
- Caí muito perto daqui.
E corou.
E, mais uma vez, sem perceber porquê, senti uma estranha tristeza. E veio-me uma pergunta à cabeça.
- Então não era por acaso que, na manhã em que eu te conheci, faz hoje oito dias, tu andavas por aqui, sozinho, a mil e tal quilómetros de qualquer lugar habitado! Voltaste ao lugar da tua aterragem?
O principezinho voltou a corar.
E prossegui, hesitante.
- Talvez porque fazia um ano?
O principezinho corou de novo. Nunca respondia às perguntas, mas quando coramos, isso quer dizer «sim», não é?
- Ah! - disse-lhe. - Tenho medo...
Mas ele respondeu-me.
- Agora tens de trabalhar. Tens de voltar para a tua máquina. Eu espero aqui por ti. Volta amanhã à tardinha...
Mas não fiquei tranquilo. Lembrei-me da raposa. Quando somos cativados por alguém, corremos o risco de chorar...
26
Ao pé do poço havia uma ruína de um velho muro de pedra. Quando voltei do trabalho, ao fim da tarde do dia seguinte, foi ali que encontrei o meu pequeno príncipe, sentado em cima do muro, com as pernas penduradas. E ouvi-o falar.
- Então, não te lembras? - dizia ele. - Não é bem aqui!
Havia certamente alguém que lhe respondia, porque ele retorquiu.
- Sim! Sim! É o dia certo. O sítio é que não é exatamente este...
Continuei a caminhar na direção do muro. Não conseguia ver nem ouvir mais ninguém. Mas o principezinho respondeu mais uma vez.
- ... claro que sim. Verás onde começa o rasto que eu deixo na areia. Só tens de esperar lá por mim. Vou lá ter esta noite.
Eu estava a vinte metros do muro e continuava a não ver nada.
Depois de um silêncio, o principezinho acrescentou.
- O teu veneno é bom? De certeza que não me vais fazer sofrer muito tempo?
Detive-me, com o coração apertado, mas continuava a não perceber.
- Agora vai... - disse ele. Vou descer!
Foi então que eu próprio baixei os olhos até à base do muro e dei um salto! Ali estava ela, com a cabeça erguida na direção do principezinho, uma daquelas serpentes amarelas capazes de matar uma pessoa em meio minuto. Comecei a correr, ao mesmo tempo que procurava o meu revólver no bolso. Porém, por causa do barulho que fiz, a serpente deslizou suavemente pela areia, como um jato de água que morre. E, sem se apressar, escapuliu-se por entre as pedras, produzindo um discreto ruído metálico.
Cheguei ao muro mesmo a tempo de recolher o meu pequeno rapazinho nos braços. Estava branco como a neve.
- Mas que história vem a ser esta? Agora tu falas com serpentes?
Tinha-lhe desenrolado o eterno cachecol dourado. Molhei-lhe as têmporas e dei-lhe de beber. E não ousei perguntar-lhe mais nada. Ele fitou-me com um ar sério e lançou-me os braços à volta do pescoço. Sentia o coração dele bater. Parecia um pássaro moribundo, atingido por um tiro de espingarda. Disse-me:
- Fico feliz que tenhas descoberto o que estava mal com a tua máquina. Já podes voltar para casa...
- Como é que tu sabes?
Eu vinha precisamente comunicar-lhe que, contra todas as expectativas, tinha conseguido completar a minha tarefa com sucesso!
Ele não respondeu à minha pergunta, mas prosseguiu.
- Eu também vou voltar para casa hoje...
E acrescentou, melancólico:
- A minha é muito mais longe... é muito mais difícil...
Percebi perfeitamente que se passava alguma coisa estranha. Apertei-o no meu abraço, como se ele fosse um bebé e pareceu-me que ele se afundava num abismo, na vertical, e eu nada podia fazer para detê-lo...
O olhar dele era grave e perdia-se no vazio.
- Tenho a tua ovelha. E a caixa dela. E tenho o açaime...
Ele sorriu, melancólico.
Esperei bastante tempo. Senti que ele recuperava aos poucos.
- Meu rapazinho, tu tiveste medo.
Claro que ele tivera medo! Mas sorriu com doçura.
- Tive muito medo esta noite.
Senti-me uma vez mais gelado, com um sentimento fatalista. E percebi que não suportava pensar que nunca mais ouviria aquele riso. Para mim, ele representava o mesmo que uma nascente no meio do deserto.
- Meu rapazinho, quero voltar a ouvir-te rir...
Mas ele respondeu-me.
- Faz esta noite um ano. A minha estrela estará precisamente por cima do local onde eu caí o ano passado...
- Rapazinho, toda essa história, a serpente, o encontro, a estrela... não passa de um pesadelo...
Mas ele não me respondeu. Disse-me:
- Aquilo que é importante não se vê...
- Pois não...
- É como para a flor. Se tu amas uma flor que se encontra numa estrela, é agradável olhar para o céu à noite. Todas as estrelas ficam floridas.
- É verdade...
É o que se passa também com a água. A que tu me deste a beber parecia uma música, por causa da roldana e da corda... lembras-te... era boa.
- Sim...
- À noite, olha para as estrelas. A minha é demasiado pequena para eu te mostrar onde fica. É melhor assim. A minha estrela será, para ti, uma entre as outras. Assim, vais gostar de contemplar todas as estrelas... todas elas serão tuas amigas. E depois ofereço-te um presente...
Riu mais uma vez.
- Ah! Rapazinho. Rapazinho, eu adoro ouvir esse teu riso!
- Será precisamente esse o meu presente... como a água...
- O que queres dizer com isso?
- Cada pessoa vê as estrelas de maneira diferente. Para os viajantes, as estrelas são guias. Para outras pessoas, são apenas pequenas luzes. Para os estudiosos, elas representam problemas. Para o meu homem de negócios as estrelas eram ouro. Mas as estrelas encontram-se todas em silêncio. Tu vais ter estrelas como mais ninguém tem...
- O que queres dizer?
- À noite, quando olhares para o céu, como eu vivo numa delas e me rio numa delas, será para ti como se todas as estrelas se rissem. Tu terás estrelas que sabem rir!
E ele riu uma vez mais.
- E quando estiveres consolado (acabamos sempre por nos consolar), vais ficar contente por me teres conhecido. Serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E às vezes vais abrir a tua janela, simplesmente para teres essa satisfação. E os teus amigos vão ficar espantados por te verem a rir quando olhas para o céu. E tu vais dizer-lhes: «Sim, as estrelas fazem-me sempre rir!». E eles vão achar que estás doido. Vou pregar-te uma bela partida...
E riu-se outra vez.
- É como se, em vez de estrelas, eu te tivesse dado uns sininhos que sabem rir...
Riu-se novamente. Mas, a seguir, ficou sério.
- Esta noite... olha... não venhas.
- Eu não te vou abandonar.
- Vou estar com ar de quem está a passar mal... vai parecer que estou a morrer. É assim. Não venhas assistir a isso. Não vale a pena...
- Não te vou abandonar.
Mas ele estava preocupado.
- Digo-te isto... por causa da serpente. Não quero que ela te morda... As serpentes são más. São capazes de morder só pelo prazer que isso lhes dá...
- Não te vou abandonar.
Mas alguma coisa o tranquilizou.
- Na verdade, elas não têm veneno para morder duas vezes...
Naquela noite não o vi fazer-se ao caminho. Ele escapuliu-se sem fazer barulho. Quando consegui apanhá-lo, ele caminhava decidido, num passo rápido. Disse-me, simplesmente:
- Ah! Estás aí...
E ele deu-me a mão. Mas continuava apreensivo.
- Fizeste mal. Vais ter pena. Vai parecer que estou a morrer e não é verdade...
Fiquei em silêncio.
- Tu percebes. A minha casa é muito longe. Não tenho como transportar o meu corpo para lá. É demasiado pesado.
Mas eu continuei calado.
- Vai ser como uma velha carapaça abandonada. As velhas carapaças não causam tristeza.
Eu não falava.
Ele perdeu um pouco a coragem. Mas continuou a fazer um esforço.
- Não vai custar nada. Eu também vou ficar a olhar para as estrelas. Todas elas serão poços com roldanas enferrujadas. Todas as estrelas vão dar-me de beber...
E eu continuava em silêncio.
– Vai ser muito divertido. Tu vais ter quinhentos milhões de sininhos e eu quinhentos milhões de fontes...
E ele calou-se também, porque estava a chorar.
- É aqui. Deixa-me dar um passo sozinho.
E ele sentou-se, porque estava com medo.
E prosseguiu.
- Sabes... a minha flor... eu sou responsável por ela! E ela é tão frágil! E muito ingénua. Tem quatro espinhos insignificantes para se proteger do mundo...
Também eu me sentei, porque já não conseguia estar de pé. E ele disse:
- Já está... é tudo...
Hesitou um pouco e depois levantou-se. Deu um passo. Eu não me conseguia mexer.
Apenas se via um clarão amarelo à volta do seu tornozelo. Ficou imóvel por um momento. Não gritou. Caiu suavemente, como caem as árvores. Como caiu na areia, não fez barulho nenhum.
27
E a verdade é que já passaram seis anos... Nunca tinha contado esta história. Quando me viram, os meus colegas ficaram todos contentes por eu estar vivo. Estava triste, mas disse-lhes: «É do cansaço...»
Agora já estou um pouco mais consolado. Quer dizer... não totalmente. Mas eu sei perfeitamente que ele voltou para o seu planeta porque, de manhã, o corpo dele já não estava lá. Não era um corpo assim tão pesado... E eu adoro ouvir as estrelas à noite. Parecem quinhentos milhões de sininhos...
Mas aconteceu uma coisa extraordinária. Esqueci-me de pôr uma correia de pele no açaime que desenhei para o principezinho! Ele nunca ia conseguir pô-lo à ovelha. E eu pergunto-me: «O que se terá passado no planeta dele? A ovelha é bem capaz de ter comido a flor...»
Às vezes penso: «De certeza que não! O principezinho protege a sua flor todas as noites com a campânula de vidro e toma conta da ovelha...» Nessas alturas fico feliz. E as estrelas riem-se todas, suavemente.
Outras vezes, penso: «Às vezes distraímo-nos e é quanto basta! Ele pode ter-se esquecido da campânula alguma noite, ou a ovelha pode ter saído pela noite sem fazer barulho...» E nessas alturas, os sinos transformam-se em lágrimas...
Ora aí está um grande mistério. Para vocês, que também gostam do principezinho, tal como para mim, nada no mundo será igual se nalgum lado, não se sabe onde, uma ovelha que não conhecemos tiver comido ou não uma rosa...
Olhem para o céu e interroguem-se: a ovelha terá comido a flor ou não? E vão ver como tudo muda...
E nenhuma pessoa crescida vai perceber nunca como isso é importante!
Para mim, esta é a paisagem mais bela e mais triste do mundo. É a mesma paisagem da página anterior, mas desenhei-a mais uma vez para que a vissem bem. Foi aqui que o principezinho apareceu na Terra e foi aqui que, mais tarde, ele desapareceu.
Olhem bem para esta paisagem, para se certificarem de que a reconhecem, se algum dia viajarem pelo deserto africano. E se vos acontecer passarem por ali, suplico-vos, não se apressem, esperem um pouco, mesmo por baixo da estrela! Se nessa altura vier ao vosso encontro um menino, que se ri, que tem cabelos da cor do ouro e que não responde quando lhe fazem perguntas, vocês saberão quem ele é. Sejam meigos! Não me deixem assim tão triste. Escrevam-me depressa, a dizer que ele voltou...
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